
Em lado b(d), a sair na última segunda-feira de cada mês, partilho críticas, novidades e entrevistas para fãs de banda desenhada e ilustração.
Cresci rodeada de livros, mas a banda desenhada só entrou na minha vida no secundário. Na altura, o meu professor de história, um cinéfilo assumido, levou a turma a ver a adaptação para cinema de Persépolis, a autobiografia de Marjane Satrapi. Gostei tanto do filme de animação, escrito e realizado pela própria autora e Vincent Paronnaud, que lhe perguntei se tinha a novela gráfica (editada em Portugal pela Bertrand) e se ma emprestava. Desde então nunca mais parei de ler histórias aos quadradinhos.
Lembro-me que comecei por procurar novos títulos na Biblioteca Municipal Álvaro de Campos, em Tavira, onde cresci. Foi lá que descobri a série Blacksad, um noir antropomórfico, ambientado na década de 1950, nos EUA. Escrita por Juan Díaz Canales e ilustrada por Juanjo Guarnido, é editada em Portugal pela Ala dos Livros e ganhou uma nova vida em 2019, com o videojogo Blacksad: Under the Skin.
Mais tarde, quando vim estudar para Lisboa, onde agora vivo, juntei-me a vários grupos no Facebook para fãs de banda desenhada e acabei a participar em tertúlias. Normalmente aconteciam sempre à mesa, por altura do Amadora BD, e incluíam a presença, super informal, de tradutores, editores e até autores. Era o caso, por exemplo, do tradutor e editor José Hartvig de Freitas, que foi quem me introduziu à série Saga, de Brian K. Vaughan e Fiona Staples, e me alimentou o vício durante anos — eu escrevia sobre livros para o agora extinto Espalha-Factos e o José ia-me enviando as novidades.
Editada em Portugal pela G. Floy, Saga continua a ser das minhas séries de BD favoritas e, agora que sou mãe, tenho muita vontade de a reler (outra vez). Trata-se de uma space opera, que mistura ficção científica e fantasia, e acompanha a jornada de Alana e Marko, dois amantes de espécies inimigas que se apaixonam contra todas as probabilidades e fogem juntos para proteger a sua filha, Hazel. Resumindo, é uma espécie de épico familiar, uma vez que a parentalidade é um dos temas centrais da trama. Mas, adiante, a crítica fica para uma próxima.
De regresso à minha relação com a banda desenhada, a verdade é que já perdi a conta às BD que tenho cá em casa – um dia destes faço um inventário. Assim por alto, sei que ocupam duas estantes de quase dois metros e que a maior parte são séries americanas e novelas gráficas, incluindo de autores portugueses, como Pardalita, de Joana Estrela; Mar Negro, de Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho; O Mangusto e Educação Física, de Joana Mosi.
Feitas as apresentações, e visto que esta paixão já leva anos, faz todo o sentido que agora tenha um espaço próprio. Em lado b(d), tenciono partilhar críticas, novidades e, quem sabe, até entrevistas — contactos para encalacrar não me faltam. Se já és fã de banda desenhada, espero que te sintas em casa. Se ainda não mergulhaste neste universo, talvez encontres aqui a tua porta de entrada.
lado b(d), vol 1
I
A última vez que escrevi sobre banda desenhada para a Time Out Lisboa foi em Setembro de 2024, a propósito do lançamento de O Segredo dos Mártires, de Paulo Caetano e Jorge Mateus, que nos convidam a conhecer a história do naufrágio da Nossa Senhora dos Mártires. Na altura falei com os autores e o investigador Filipe Castro. Aqui fica o resultado, ‘O Segredo dos Mártires’: uma viagem etnográfica em banda desenhada.

Ainda na TOL, recomendo a leitura de dois artigos que escrevi para diferentes edições da revista em papel: este, sobre o estado da BD em Portugal, e este, sobre como a BD pode servir de introdução à “grande literatura”.
II
Se tiveres tempo, aqui fica outra leitura a não perder: Good grief and comic relief: Why comics have the power to transform education for neurodiverse people, da ilustradora Ellen Walker, que reflecte sobre a influência da banda desenhada na sua vida, sobretudo durante a infância, e critica a forma como o formato tem sido historicamente demonizado nos espaços educativos.
III
Para tiras semanais sobre imaginação, inspiração e frustração, vale a pena acompanhar a newsletter gráfica de Grant Snider, Incidental Comics. Recentemente, li esta peça sobre haikus em formato de banda desenhada de que gostei muito.
Aqui no Substack também sigo Kat Schneider, Julie Benbassat, Ashley Robin Franklin, Ariella Elovic, Joana Mosi, Hugo Santos, Lucy Pepper, e Mariana a Miserável.
IV
Já para te manteres a par do que se está a passar no mundo das histórias aos quadradinhos, espreita a newsletter da Bedeteca, um projecto de criação e salvaguarda de uma biblioteca dedicada à nona arte. Localizada no Centro Comercial Brasília, em frente à loja Mundo Fantasma, é responsável, por exemplo, pela Cronologia da BD Portuguesa. Foi lá que tomei conhecimento da Pentângulo, uma revista editada pela Chili Com Carne, que dá visibilidade ao trabalho de novos autores de banda desenhada e ilustração. Já mandei vir os números 2 e 4, e hei-de vos dar feedback.
V
Para ouvir, recomendo Pranchas e Balões, de Rui Alves de Sousa, que todas as semanas recebe convidados, incluindo os artistas mais conceituados da BD feita em Portugal, e apresenta desde as novidades que chegaram às livrarias até aos grandes temas da actualidade da nona arte.
O Rui, que tenho o prazer de conhecer pessoalmente desde os tempos da faculdade, também está aqui pelo Substack, com a newsletter À Beira do Abismo, onde partilha sugestões de filmes, livros e discos — e, quem sabe, se o espicaçarem, pode ser que também comece a trazer recomendações aos quadradinhos.
VI
Para terminar, segue uma lista de novidades, de BD e ilustração, que gostava de adicionar à minha estante:
Propaganda, de Joana Estrela (texto e desenho) (Chili Com Carne, 12€). Originalmente publicada em 2014, pela Plana Press (e mais tarde reeditada pela própria autora), é a primeira vez que esta BD — que regista a temporada em que a autora viveu na Lituânia, em Vilnius, e participou na organização do Pride 2013, o desfile que reclama direitos e igualdade para as pessoas LGBTQ+ — nos chega em português.
Tati e o Filme Sem Fim, de Arnaud Le Gouëfflec (argumento) e Olivier Supiot (desenho) (Levoir, 22,90€). Uma novela gráfica sobre a vida do realizador e actor francês Jacques Tati.
O Medo, de María Hesse (texto e ilustração) (Iguana, 19,95€). Um álbum ilustrado, que mistura elementos de auto-ficção, banda desenhada e referências literárias, poéticas e musicais.
Borboleta, de Madeleine Pereira (argumento e desenho) (Edições Asa, 25,90€). Uma novela gráfica sobre o reencontro da autora com as suas origens portuguesas.
O Tempo do Cão, de Ondjaki (texto) e António Jorge Gonçalves (ilustração) (Caminho, 14,90€). Um álbum ilustrado sobre um cão que, à beira de um lago do Congo, adormece com saudades de um guerrilheiro.
Ser Adulto É Um Mito, de Sarah Andersen (argumento e desenho) (Desrotina, 16,65€). Uma BD sobre procrastinar e as nossas tentativas diárias de tentar ser adulto.
BÓNUS: O lançamento de A Trilogia Nikopol, de Enki Bilal (Devir, 22€), inaugura a Colecção de Obras Premiadas em Angoulême, o mais relevante galardão europeu do sector. Produzido pelo próprio Bilal, Immortal (2004) adapta a BD ao grande ecrã. Há um ainda um videojogo, Nikopol: Secrets of the Immortals, editado pela White Birds Productions.
Agenda para BDéfilos
Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, Bologna Fiere Exhibition Centre, em Bolonha, em Itália. 31 Março-3 Abril, 55€-120€.
Comic Barcelona, em Fira Barcelona Montjuïc, em Barcelona, Espanha. 4-6 Abril, Sex-Dom 10.00-20.00. 8€-32€.
Coimbra BD, no Convento São Francisco, em Coimbra, Portugal. 25-27 Abril, Sex-Sáb 10.00-20.00, Dom 10.00-18.00. Entrada livre.
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A minha querida amiga Joana Estrela 🩷 gostei tanto desta rubrica! vou lhe enviar. A ver se a convenço a mudar a newsletter dela para o Substack 😄
Verti uma lágrima quando vi o meu humilde Substack mencionado no texto. Obrigado. Quanto à BD a minha escola é mais americana e japonesa, mas desde que tenha boa arte e boa história leio tudo.