Em lado b(d), a sair na última segunda-feira de cada mês, partilho críticas, novidades e entrevistas para fãs de banda desenhada e ilustração.
Crítica: A Companheira, de Agustina Guerrero
Ficha técnica:
A Companheira, de Agustina Guerrero
Capa dura, 205x247, 232 páginas.
ISBN: 9789722082587
PVP: 29,90€
Edição Dom Quixote
A Companheira, de Agustina Guerrero, é daqueles livros que nos põe a olhar para dentro. Publicado originalmente em 2022, e editado em Portugal pela Dom Quixote, convida-nos a viajar pelas memórias da autora — e a reflectirmos também sobre o nosso próprio passado.
Todos temos uma recordação meio embaraçosa1, ou a cicatriz de um tombo parvo2, ou a lembrança de um dia tão feliz que nos parece impossível replicar. É disso que este livro nos fala: daquilo que explica o que somos hoje, desde a forma como pensamos à forma como nos posicionamos no mundo.
A certa altura, já depois de nos contar um pouco da sua história de vida, a personagem principal (que é a própria autora) faz-se acompanhar por uma presença misteriosa — a tal “companheira” do título —, que a convida a revisitar as suas memórias. E, à medida que viajam juntas no espaço-tempo, à boleia de um par de cavalos-marinhos, os hipocampos3, vamos fazendo o mesmo.
O que nos assusta, o que nos dá força, o que ainda nos pesa? Ainda que nunca tenhamos vivido exactamente o mesmo que Guerrero, não só não temos dificuldade em fazermos esse exercício de imaginação, e empatia — que é imaginar como seria se tivesse acontecido connosco—, como damos por nós a reorganizar as gavetas onde escondemos os nossos próprios traumas.
O tom onírico da narrativa poderia facilmente descambar para o pretensioso, mas não o faz. Pelo contrário, funciona como aquele amigo que nos leva a reflectir sem nos enfiar lições de moral pela goela abaixo. Debruça-se sobre temas como a síndrome do impostor, a misoginia, ou a violência de género.
Sim, é duro, por vezes. Mas vale muito a pena.
Já no que diz respeito à arte, o traço é dinâmico e desafia o convencional. Há momentos em que a simplicidade do desenho se impõe com uma força incrível, e outros em que a ilustração se expande e convida à contemplação.
A edição da Dom Quixote também é um mimo. Capa dura, textura de tecido, detalhes em verniz. E o interior não desilude: papel de boa qualidade e uma impressão que valoriza as ilustrações. É um daqueles objectos que dá gosto revisitar.
Já leste? O que achaste?
lado b(d), vol 2
I
No âmbito da 36.ª edição do Amadora BD, estão abertas, até 21 de Setembro, as candidaturas ao Concurso de Banda Desenhada da Amadora e ao Concurso Municipal de Banda Desenhada.
II
Quando quero descobrir novas BD, costumo explorar a biblioteca da Comixology, na Amazon — a subscrição da Comixology Unlimited, para o Kindle, dá acesso a mais de 45 mil bandas desenhadas, que podem ser lidos com Guided View. Se tiverem conta na amazon.es, por exemplo, e subscreverem a Amazon Prime (4,99€), é possível lerem BD através do Prime Reading.
Se preferirem, têm a plataforma GlobalComix. Não custa nada criar uma conta e há uma categoria que reúne obras gratuitas, mas para acederem ao catálogo completo (que conta com mais de 85 mil títulos) é preciso pagar uma mensalidade de $7,99.
Recomendo ainda o Webtoon, que também tem app para iOs e Android, e disponibiliza imensas séries de BD gratuitamente. Ainda não terminei nenhuma, mas comecei:
Batman: Wayne Family Adventures, de Rhett Bloom e CRC Payne;
Nevermore, de Kate Flynn e Kit Trace;
Klimt’s Kisses, de Limes;
My Little Comic, de Sleepy Donut; e
Seed, de Said P.
III
O realizador Ridley Scott vai lançar o seu primeiro projecto de banda desenhada, Modville, através da sua produtora Scott.
Ambientada em 2169, num bairro de Nova Orleães habitado por andróides, a série de novelas gráficas neo-noir segue a vida de Hawtorne, um humano que sofre de stress pós-traumático, porque o seu trabalho implica reviver as memórias de assassinos e vítimas.
O lançamento inicial será no KickStarter, numa edição com capa dura, e um ano depois sairá uma edição de capa mole, revelou o editor executivo numa sessão exclusiva de lançamento na conferência WonderCon, que decorreu em Março, em Anaheim, na Califórnia, EUA.
IV
Para terminar, partilho as novidades, de BD e ilustração, que gostava de adicionar à minha estante:
Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro (argumento e desenho) (Arte de Autor/A Seita, 32€). Ambientada na União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, esta novela gráfica de grande fôlego, acompanha onze crianças órfãs que juntas, empurradas pelas circunstâncias, procuram sobreviver à guerra, às rivalidades e traições, e ao General Inverno.
Alguém com Quem Falar, de Grégory Panaccione (argumento e desenho) (Edições ASA, 30,90€). Adaptação para banda desenhada do romance original de Cyril Massarotto sobre um homem que, no dia do seu aniversário, recebe uma chamada de si próprio, quando tinha dez anos.
1629 – Tomo 2 – A Ilha Vermelha, de Xavier Dorison (argumento) e Thimothée Montaigne (desenho) (Arte de Autor, 35,95€). Inspirada numa história verídica, este thriller psicológico revisita uma história terrível de motim, naufrágio, massacre e sobrevivência.
Radium Girls, de Cy (argumento e desenho) (Arte de Autor, 21,90€). Conta a história das radium girls, operárias que contraíram envenenamento por radiação por pintarem mostradores de relógio com tinta auto-luminosa na fábrica United States Radium em Nova Jérsei, por volta de 1918.
Homem de Neandertal, de André Diniz (argumento e desenho) (Escorpião Azul, 26€). A história acompanha um Neandertal que é arrebatado por algo inesperado: a arte rupestre. Um convite a reflectir sobre a origem da arte, da comunicação e do próprio espírito humano.
A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia (adaptação) e Joana Afonso (ilustração) (ASA, 22,41€). A adaptação do livro de José Milhazes, o grande especialista português da Rússia, que propõe uma viagem fascinante por séculos e séculos de história, cultura e civilização.
Se tiverem miúdos em casa, ou quiserem oferecer a crianças próximas, também há novidades:
Gata em Fuga – A Gata da Morte!, de Aaron Blabey (argumento e desenho) (Quiuí, 15,50€).
Agenda para BDéfilos
Maia BD, no Fórum da Maia, no Porto, Portugal. 23-25 Maio, . Entrada livre.
Se gostaste desta edição, partilha-a com quem também a possa apreciar — quanto mais leitores, melhor! E se tiveres sugestões, comentários ou apenas quiseres dizer olá, escreve-me. Gosto de saber que estás desse lado.
Se quiseres apoiar a minha escrita, podes:
Subscrever uma assinatura paga desta newsletter
Enviar-me uns trocos via PayPal
Ajudar-me a destralhar
Lembro-me de uma vez, ainda no ensino básico, escorregar e fazer a espargata de saia, em frente a um outro grupo de miúdos.
Uma das maiores cicatrizes que tenho, no joelho esquerdo, é de uma queda que dei no alcatrão, em frente a uma bomba de gasolina.
Em português, ‘hipocampo’ tanto serve para nomear cavalo-marinhos do género Hippocampus, como as estruturas cerebrais responsáveis pela memória e aprendizagem, que se localizam nos lobos temporais do cérebro humano.