Quem nunca julgou alguém pelas estantes de livros que tem (ou, pior ainda, pelas que não tem!), que atire a primeira pedra. Eu julgo. Vocês julgam. Até o gato dos vizinhos julga (os gatos julgam sempre, a toda a hora). E sabem que mais? Está tudo bem. A verdade é que os nossos hábitos de leitura — os cantos dobrados, a ausência suspeita de marcadores, aquele livro sublinhado até ao tutano, um ou outro título de auto-ajuda a mais — dizem mais sobre nós do que qualquer perfil numa app de encontros. (Têm dúvidas? Perguntem ao vosso date. Como canta o Rui Veloso: “Não se ama alguém que não ouve a mesma canção”. Neste caso, que não lê.)
É verdade que eu tenho uma obsessão muito particular por estantes de livros1. Mas pensar nisto — no que os livros que lemos, como lemos e onde guardamos o que lemos dizem sobre quem somos — só reforça a minha vontade de alimentar certas ilusões fundamentais à vida de qualquer leitor. Como a mentirinha na qual insistimos quando dizemos que vamos ler “só mais um capítulo”. Ou a crença inabalável de que, um dia, seremos capazes de dar conta da pilha “por ler” e que, sejamos honestos, nos vai sobreviver (porque ler e comprar são, como bem sabemos, dois passatempos diferentes).
E, como também adoro espreitar as estantes dos outros, mas ninguém me vai abrir a porta de casa só porque sim e já estou farta de contar com a necessidade que as pessoas têm de mostrar o quão cultas são ou como as suas estantes são tão lindas, todas organizadinhas por cores2, resolvi fazer nascer a Shelfie3. É a mais recente rubrica da Binge-Read — a minha newsletter literária em inglês —, que agora lanço em português, aqui mesmo, no Canto da Sereia.
A ideia é desafiar leitores e escritores — famosos ou anónimos, eremitas ou estrelas do BookTok — a partilhar a sua vida literária. O que lêem, o que escrevem, como, onde, porquê. Cada entrevista é uma espécie de comédia romântica em quatro actos, mas sem a habitual crise no terceiro, claro!, porque eu recuso-me a ter problemas de comunicação!4 Ou seja, não se precisam de preocupar com conversa fiada, nem perguntas do estilo “Então, o que fazes da vida?”. Prometo sumo, e honestidade, e as provas do crime.
O QUE ESPERAR DE UMA SHELFIE
A entrevista é standard e divide-se em quatro partes:
O PRIMEIRO OLHAR
Uma breve biografia. Espera-se graça, personalidade e, se possível, um detalhe improvável.
O PRIMEIRO ENCONTRO
Perguntas sobre a relação com a leitura: o livro que acendeu a centelha, os hábitos de leitura, e tudo aquilo que revela como cada um vive os seus livros.
AS MENSAGENS A MEIO DA NOITE
Uma incursão pela escrita dos entrevistados: o que os empurra para a página em branco, os temas que não os largam, os projectos secretos que vão escrevendo à luz do candeeiro. Aqui fala-se de obsessões, de rotinas e do que acontece quando a insónia se cruza com uma ideia teimosa.
O VEREDICTO FINAL
As fotografias das estantes. Porque espreitar as prateleiras de alguém é de facto a forma mais rápida de a conhecer. Organização, caos, pó acumulado, lombadas viradas para dentro? Vale tudo, desde que não seja encenado.
A primeira Shelfie estreia em breve — é a tradução da entrevista que fiz à Rafaela Silva para a rubrica original, em inglês — e adorava que fizesses parte. Começa por ler e, se estiveres com vontade (ou coragem) de participar, não te preocupes, que há forma de seres a estrela numa das próximas edições5.
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Qual é o livro mais revelador que tens na estante? (Emocionalmente ou de outra forma — eu não julgo. Muito.)
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Neste momento, das quatro estantes e cinco prateleiras que temos cá em casa, sete são obra minha. Se pudesse, seriam mais, porque o meu sonho é ter uma biblioteca megalómana.
Eu organizo os meus livros por géneros literários, à excepção das duas prateleiras dedicadas a banda desenhada, que reúnem títulos para todos os gostos.
Um trocadilho com as palavras “selfie” (auto-retrato) e “shelf” (estante).
Para quem não percebeu a referência, é um piscar de olhos à estrutura das comédias românticas, que costumam incluir um “third-act breakup”, normalmente causado por mal-entendidos.
Actualmente, a rubrica é mensal.