
Estávamos em 2022 quando escrevi um artigo sobre a venda de livros anotados, e porque se escreve nos livros que se lê1. Na altura, eu ainda não sublinhava nem anotava por aí além — embora, recordo-me, o tenha feito várias vezes durante a adolescência, sempre a lápis, de forma reverente, como se o livro enquanto objecto fosse sagrado e não houvesse espaço para a minha voz —, mas eis que, de repente, entendi o que estava a perder: uma oportunidade de conversar com o texto, de me imortalizar como leitora.
Comprei então post-its transparentes, desses que se colam sobre o texto sem o esconder, e comecei a sublinhar e a escrever à margem com caneta permanente. Sublinhados trémulos, pontos de exclamação desajeitados, setas que cruzam parágrafos, pensamentos rápidos. Foi assim que as palavras dos outros passaram a ser trampolins para as minhas próprias reflexões, epifanias, piscadelas a mim mesma, um lembrete de que estive ali — a ler, sim, mas também a pensar, a sentir, a questionar.


Escolhi usar post-its, em vez de escrever directamente sob as páginas, por receio de as “estragar”. Achei que fosse um arranjo temporário, uma solução de compromisso. Mas, agora que me debruço sobre o assunto, agrada-me a ideia de que ler possa ser um trabalho de montagem, de pequenos enxertos, como se cada post-it fosse uma nova camada que se acrescenta ao texto — uma interferência delicada, mas intencional, que posso escolher desfazer a qualquer momento.
Anotar um livro é, no fundo, um modo de não o deixar fechar-se sobre si mesmo. De abrir fendas. De reclamar espaço. De fixar o instante da leitura, como quem escreve a data no verso de uma fotografia e deixa o testemunho: quem era naquele momento, como li, o que me tocou, o que ficou por perceber. Talvez seja isso que me fascina, a ideia de que, mesmo a ler, posso escrever. E que, mesmo a sós, posso dialogar. Com a obra, e comigo mesma — e tu? Quando lês, deixas rasto?
canto da sereia #20
I
Marginália (do latim «marginalia») é o termo que designa as notas, escritos e comentários pessoais ou editoriais feitos na margem de um livro. Foi cunhado pelo poeta, crítico e ensaísta inglês Samuel T. Coleridge, que fez uso extensivo de notas nas margens em quase todos os livros que leu.
Recomendo a leitura de:
Marginalia: Readers Writing in Books, de H. J. Jackson;
How Leaning into Marginalia Helped Me Accept the Loss of Control That Comes with Publication, de Josh Riedel;
The Marginal Obsession with Marginalia, de Mark O’Connell;
The Guardian view on marginalia: scribbles that can change the meaning of books, um editorial.
II
Se quiseres começar a anotar livros, recomendo o seguinte material:
Lápis e/ou caneta
Se estiveres ok com escrever directamente nas páginas, só precisas disto. Eu não uso lápis, mas já usei highlighters pastel para sublinhar directamente nas páginas e normalmente uso uma caneta permanente para escrever por cima de post-its.
Post-its e sticky tabs
Eu uso post-its transparentes para poder sublinhar e escrever por cima, mas é possível usares como espaço de notas adicional, caso precises escrever mais do que aquilo que as margens das páginas permitem.
Normalmente uso as sticky tabs para marcar uma série de temáticas que escolho seguir ao longo da leitura.
Caderno
Não é o meu caso, mas há quem prefira apontar os seus pensamentos num caderno aparte, como o Bloco-de-Notas ou o Livrário da Tinta-da-China, ou outro caderno qualquer, o que interessa é ter espaço para escrever.
III
Uma lista de artigos sobre como anotar livros:
Defining Your Annotation Style, de Haley Larsen, da newsletter Closely Reading;
How I Annotate My Books (and Part 2), de Christi Hegstad, da newsletter Reading and Purpose;
Issue 80: The No-Bullshit Guide to Annotating Your Books, de Petya K. Grady, da newsletter A Reading Life.
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Na altura, além de me inteirar sobre o mercado dos livros anotados, falei com influencers literárias, uma livreira, uma editora e uma leitora comum.
Para mim, os livros anotados são como diários de leitura! Sempre o fiz!Além disso, sou adepta dos post-it colorido! Quando leio em inglês, e como não conheço o significado de muitas palavras, tenho imensas anotações de palavras traduzidas para não me esquecer!
É engraçado perceber que o que faço agora com os livros, era o que fazia com os cadernos qua do era jovem, mas apenas no primeiro mês de aulas 😅
Engraçado - ainda esta semana estive a ler um artigo no Substack precisamente sobre este assunto, que eu acho fascinante. Normalmente só anoto livros de não-ficção e a pontual ficção especulativa; não deliberadamente, mas são os que mais me chamam para conversar.
Creio que ainda não encontrei o meu "estilo" de anotação, mas a praticidade leva-me quase sempre a usar uma caneta preta e um conjunto de marcadores que também serve de régua e de marcador. Gostava de usar sublinhadores, desenhar, conversar mais com os livros; mas como eu normalmente não leio num só sítio, mas em muitos, limito-me ao que está à mão no momento.
Artigo excelente, como sempre :)